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Psicóloga Paula Gomide discute equívocos da redução da maioridade penal

A professora Paula Inez Cunha Gomide (Universidade Tuiuti do Paraná) Analista do comportamento, especialista em Psicologia Forense, mostra neste artigo por que as premissas da redução da maioridade penal estão equivocadas.  Nós, da ABPMC, endossamos o artigo de Paula Gomide. Defendemos que a discussão sobre a maioridade penal seja pautada por dados científicos, e não por concepções políticas ou filosóficas fundamentadas na noção de livre arbítrio.

Para reduzir incidência de contravenções cometidas por jovens e adolescentes temos de oferecer oportunidades para que esses jovens se envolvam em comportamentos socialmente mais vantajosos, e não simplesmente puni-los e esperar que os comportamentos adequados emerjam “naturalmente”.

Denis Roberto Zamignani

 

Presidente da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina comportamental (ABPMC)

Redução da maioridade penal

Paula Inez Cunha Gomide

Universidade Tuiuti do Paraná

As motivações da sociedade brasileira para redução da maioridade penal estão pautadas na necessidade de redução da violência e aumento da segurança pública. Os deputados têm encaminhado a discussão no congresso por meio de PETs que argumentam a favor da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, enfatizando o aumento da criminalidade juvenil, sobretudo no setor que explora o tráfego de drogas e a impunidade para adolescentes que cometem crimes hediondos. Argumentam ainda que, se adolescentes com 16 anos podem votar e casar também podem ser penalizados, ou seja, têm compreensão plena de seus atos. Salientam que o ECA tem medidas socioeducativas inadequadas para controlar a violência, a criminalidade juvenil, pois é brando. A medida de privação de liberdade de apenas três anos para crimes graves favorece que adolescentes se envolvam na criminalidade por não serem penalizados, assumindo a autoria de crimes em lugar dos maiores de idade. Ainda apontam que as unidades de socioeducação de internamento não têm programas apropriados para reduzir a criminalidade juvenil. Outro ponto destacado pelos congressistas é a idade penal de 16 anos adotada em outros países, como Estados Unidos, Portugal e Inglaterra.

Recentemente a ONU realizou uma pesquisa de levantamento da idade penal em 57 países (ver quadro no fim deste artigo). Os dados mostraram que em apenas 17% dos países investigados a idade penal é inferior a 18 anos (Bermudas, Chipre, Estados Unidos, Grécia, Haiti, Índia, Inglaterra, Marrocos, Nicarágua, São Vicente e Granadas, entre outros). Com exceção dos USA e Inglaterra os demais países com idade penal abaixo de 18 anos são considerados pela ONU como países de médio ou baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nos USA e Inglaterra é assegurada às crianças condições mínimas de educação, alimentação e saúde. No Brasil, apenas 3,96% dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa concluíram o ensino fundamental. A Alemanha e Espanha, por exemplo, tem idade penal acima de 18 anos.

Esta pesquisa da ONU ainda identificou que, em média, os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil a participação dos jovens na criminalidade está em torno de 10%. Portanto, dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar, em virtude das carências generalizadas dos jovens brasileiros. No Japão, os jovens representam 42,6% dos infratores e ainda assim a idade penal é de 20 anos.

Gomide et al (2005) realizaram uma pesquisa para comparar gravidade de delitos entre jovens e adultos infratores. Foram analisados 669 prontuários de adolescentes internos em uma unidade de socioeducação e 356 adultos da Casa de Custódia de Curitiba. Os delitos foram classificados em leves, médios e graves, de acordo com a sua periculosidade, por operadores da lei (juízes, promotores e criminalistas). 0s resultados mostraram haver correlação positiva entre gravidade do delito e idade, ou seja, quanto maior a idade maior a gravidade do delito; adolescentes de 13 a 15 anos tem menor gravidade de delito que adultos; adolescentes de 16 a 18 anos não diferem dos adultos de 19 a 21 anos, mas diferem dos adultos de 22 a 30 anos. Neste sentido, aparentemente a gravidade dos delitos de adolescentes de 16 a 18 anos, pode se equiparar aos de jovens adultos de 19 a 21 anos. No entanto, é preciso que se verifique qual a incidência de crimes graves cometidos por adolescentes que justifique a mudança na legislação.

Os dados fornecidos pela Vara da Infância e Juventude de Curitiba (2013) com uma amostra de 2337 atos infracionais mostraram que os adolescentes do sexo feminino representam 5,49% da amostra e os do sexo masculino são a maioria com 94,6% do total. Os atos infracionais graves ou hediondos cometidos pelos adolescentes compreendem 3,16% (74) da amostra (4 (0,17%) latrocínio; 16 (0,68%) homicídio simples; 20 (0,85%) homicídio qualificado; 34 (1,15%) estupro). Os demais atos infracionais estavam distribuídos em: 658 (28,15%) tráfico ou posse de drogas; 627 (26,82%) a atos contra o patrimônio (roubo, dano, furto); 476 (20,36%) atos leves contra pessoas (injuria, desacato, ameaça ou lesão corporal); 160 (6,84%) direção inabilitada; 34 (1,15%) porte ilegal de arma de fogo e 308 (13,17%) demais atos ou infrações. A reincidência relatada foi de 25% dos casos, sendo que 869 (75%) eram de adolescentes com primeira passagem pelo sistema juvenil.

Carvalho (2013) realizou uma pesquisa sobre o “Percurso do adolescente autor de ato infracional”. Foram analisados os registros de adolescentes que praticaram crimes violentos no período de 2005 a 2008, primeiramente nos livros de registro da 3a Vara e posteriormente no Sistema de Registro Policial (SRP) da Secretaria Estadual de Segurança Publica do Estado do Paraná. A amostra constou de 1.480 processos, sendo 1.416 (95,68%) do sexo masculino e 64 (4,32 %) feminino. Os atos infracionais estavam assim distribuídos: 84 (5,6%) homicídios, 1359 (91,82%) roubos, 16 (1,08%) lesão corporal e 21 (1,41%) crimes sexuais. Os resultados mostraram que 13,83% deles haviam morrido, 19,19% estavam presos, 22,16 % haviam sido indiciados e soltos, 8,69% não foram encontrados e para 36,13% dos jovens nenhum registro criminal foi detectado. Compreende-se que, pelos registros, 55,18 % morreram precocemente ou estavam envolvidos com a lei novamente.

Ambas as pesquisas mostram que a incidência de jovens em crimes violentos é muito baixa para justificar a alteração da legislação, ou seja, apenas cerca de 4% dos jovens infratores cometem crimes hediondos (homicídio, estupros, sequestros e latrocínio). No entanto, é preciso que se verifique qual o efeito da passagem de adolescentes infratores para o sistema prisional.

Pesquisa realizada por Loughran et al (2010) avaliaram os efeitos da transferência de jovens para o sistema adulto nos Estados Unidos utilizando como medida a reincidência criminal. A legislação americana difere de estado para estado possibilitando que comparações deste tipo sejam feitas, isto é, alguns estados reduziram a maioridade penal e outros mantiveram em 18 anos. A amostra foi composta por 654 infratores, sendo 29% transferidos e 71% que permaneceram nas instituições para jovens. Os resultados mostraram que não houve, em geral, efeito da transferência nos índices de reincidência, porém, vale destacar que a) para crimes de roubo, furto e saque houve aumento na reincidência; b) para crimes de arrombamento não houve diferença na reincidência e c) para crimes pessoais (homicídio, estupro) houve redução da reincidência. Estes dados sugerem que se jovens que cometeram crimes de média e baixa gravidade, como é o caso da maioria esmagadora dos infratores brasileiros (94%), se colocados no sistema prisional terão como resultado aumento da reincidência criminal, por outro lado, para adolescentes que cometeram crimes graves a o efeito foi inverso, a reincidência diminuiu.

Outra questão debatida refere-se à capacidade de discriminação do certo e errado pelos jovens infratores. Quando o jovem completa seu aprendizado?; Quando tem seu desenvolvimento cerebral finalizado?; Quando adquire o conjunto de valores necessários para responder sobre seus atos e assim, adquirir a consciência capaz de constituí-lo destinatário da lei penal? É certo que o adolescente infrator sabe

perfeitamente a diferença entre o certo e o errado. Mas, também é certo que ele não vota e não se casa aos 16 anos. Estes jovens sequer têm carteira de identidade ou CPF, não tiram titulo de eleitor e quando encontram uma companheira apenas “se juntam”. A grande maioria dos jovens infratores tem um déficit de escolaridade 7 anos, ou seja, não passam da primeira fase do ensino fundamental.

No Brasil são 70000 jovens em medidas sócio educativas, dos quais 21000 estão em privação de liberdade (dados do CNJ – Conselho Nacional de Justiça). Embora a idade penal no Brasil seja definida por uma clausula pétrea é possível que se discuta se o ECA respondendo apropriadamente aos anseios da população. Os dados de pesquisa apresentando apontam que a grande maioria dos infratores (94%) cometem crimes de média e leve gravidade e portanto, o cumprimento da medida de privação de liberdade em estabelecimentos já existentes em todo Brasil é apropriada. Não há qualquer necessidade de deslocamento desta população de jovens para o sistema prisional. Evidentemente, os 4% de jovens que cometem crimes graves ou são reincidentes precisam ter um atendimento diferenciado. Trata-se, portanto, de se estabelecer quais são as mudanças necessárias a serem feitas no ECA para um atendimento mais eficaz, no sentido da ressocialização deste subgrupo de infratores. Estes jovens precisam de uma melhor avaliação forense, de programas especializados para atendimento de infratores de alto risco, de maior tempo de internação, de escolarização de qualidade para recuperar o déficit existente, de capacitação profissional e de programas de acompanhamento de egressos apropriados, enfim, de alternativas que possibilitem a real diminuição dos comportamentos infratores em longo prazo.

O principal motivo para a redução da maioridade penal que é reprimir a violência é uma premissa equivocada. É fato que o adolescente conhece o sistema, sabe que o tempo de internação é pequeno e não considera a internação do sistema

socioeducativo como uma punição. Após 25 anos do ECA, é preciso que haja uma revisão de alguns pontos que devem ser atualizados. Oitenta e três por cento dos brasileiros que pedem a redução da maioridade penal estão de fato pedindo mais segurança e menos violência. Não conhecem os procedimentos técnicos e pesquisas que indiquem qual a melhor maneira para resolução da questão e estão iludidos por esta alternativa equivocada.

Referencias bibliográficas

Carvalho, V. (2013). Percurso do adolescente autor de ato infracional. Dissertação de Mestrado não publicada. Universidade Tuiuti do Paraná.

Gomide, P.I.C.; Ropelato, R.; & Alves, M.P. (2006). A redução da maioridade penal: Questões teóricas e empíricas. Psicologia Ciência e Profissão, 26, (4), 646-659.

Loughran, T. A.; Mulvey, E. P.; Schubert, C. A.; Chassin, L. A.; Steinberg, LPiquero, A. R.; Fagan, J.; Cota-Robles, S.; Cauffman, E.; & Losoya, S. (2010). Differential Effects of Adult Court Transfer on Juvenile Offender Recidivism. Law Hum Behav, 34: 476-488.

 

 

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