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Moção de protesto

À
Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Fundação VUNESP. E à
Prefeitura da Estância de Atibaia

Moção de Protesto

A Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental é uma associação de psicólogos que congrega analistas do comportamento e psicólogos cognitivo-comportamentais de todo o país. Em nome de nossos associados, vimos expressar nossa discordância com relação ao concurso público N° 01/2014 da Prefeitura da Estância de Atibaia, conforme divulgado em edital pela Vunesp no dia 09/08/2014.

A primeira questão com relação ao referido concurso é de ordem legal. Uma das vagas dispostas no Edital N° 01/2014 é para o cargo de psicólogo ou psicanalista. Esta vaga exige ensino superior completo em psicologia e registro em órgão de classe. Entretanto, a profissão de psicanalista não é regulamentada no Brasil, sendo uma especialidade da área de Psicologia, conforme prevê a Lei n.º 4.119/62, que regulamenta a profissão de Psicólogo. O artigo 5.º da Constituição Federal de 1988 prevê, no rol dos direitos e garantias fundamentais, o livre exercício profissional, desde que o profissional atenda às qualificações profissionais definidas por lei. Se o concurso é aberto a psicólogos OU psicanalistas, ele abre a precedência para a participação de uma profissão não regulamentada.

Além da questão acima relacionada, o concurso fere o princípio da igualdade da constituição federal, ao informar como atribuições do psicólogo e como conteúdo programático da prova específica temas relacionados quase que exclusivamente a uma única área de conhecimento da psicologia – a Psicanálise – apenas uma entre as abordagens teóricas da psicologia, conforme transcrito a seguir do referido Edital:

ATRIBUIÇÕES (pg. 33)

Psicólogo ou Psicanalista

Estudar, pesquisar e avaliar o desenvolvimento emocional e os processos mentais e sociais de indivíduos, grupos e instituições, com a finalidade de análise tratamento, orientação e educação; Diagnosticar e avaliar distúrbios emocionais e mentais e de adaptação social elucidando conflitos e questões e acompanhando o(s) paciente(s) durante o processo de tratamento ou cura; investigar os fatores inconscientes do comportamento individual e grupal, tornando-os conscientes.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO (pgs. 49 e 50)

Psicólogo ou Psicanalista

Conhecimentos Específicos: Processo de constituição psíquica. Processo de desenvolvimento humano em seus aspectos: biológico, cognitivo, afetivo-emocional, social e a devida interação dinâmica entre esses aspectos. Processo de desenvolvimento patológico e suas implicações estruturais e dinâmicas, nos distúrbios de conduta e de personalidade, nas neuroses, psicoses, Transtornos do Espectro Autista (TEA). Psicologia Social e Saúde Coletiva. A produção e construção social da loucura. As ações terapêuticas individuais e grupais: entrevista psicológica, consulta terapêutica, diagnóstico diferencial, construção do caso clínico e projeto terapêutico singular, psicoterapia breve, psicoterapia de grupo, psicodrama, grupos operativos, orientação e terapia familiar, ludoterapia. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. A Clínica Ampliada. A Clínica na Atenção Psicossocial e a Clínica dos transtornos mentais graves. Atenção psicossocial a crianças e 50 adolescentes no SUS. As dependências de substâncias psicoativas, a Redução de Danos, vulnerabilidade e riscos. Reabilitação Psicossocial.

Considerando o artigo 5º da Constituição Federal :

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”

(…)

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

(…)

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

(…)

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”

Decorre que um concurso público, ao vetar a oportunidade de que profissionais que não compactuam de uma determinada linha de pensamento dentro da psicologia possam concorrer à vaga em questão, está incorrendo em discriminação e em censura intelectual.

O caráter multidisciplinar da formação em psicologia está explícito na resolução nº 5, de 15 de março de 2011 do Ministério da Educação, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia. No Artigo 3º deste documento consta:

Art. 3º O curso de graduação em Psicologia tem como meta central a formação do psicólogo voltado para a atuação profissional, para a pesquisa e para o ensino de Psicologia, e deve assegurar uma formação baseada nos seguintes princípios e compromissos:

I – construção e desenvolvimento do conhecimento científico em Psicologia;

II – compreensão dos múltiplos referenciais que buscam apreender a amplitude do fenômeno psicológico em suas interfaces com os fenômenos biológicos e sociais;

III – reconhecimento da diversidade de perspectivas necessárias para compreensão do ser humano e incentivo à interlocução com campos de conhecimento que permitam a apreensão da complexidade e multideterminação do fenômeno psicológico;

A profissão da psicologia, portanto, é de caráter essencialmente multidisciplinar e constituída por múltiplos referenciais. Cercear a participação de profissionais de diferentes vertentes é, além de discriminatório, prejudicial para a qualidade da prestação do serviço e do cuidado à população, pois esta é privada do conhecimento científico e da tecnologia de intervenção construídos pelas diferentes perspectivas teórico-conceituais dentro do campo da psicologia.

Tendo em vista tais questões pertinentes ao referido concurso, esta Associação, em nome de seu Presidente, João Ilo Coelho Barbosa, vem solicitar a alteração do conteúdo programático do referido concurso de maneira a abordar igualitariamente as diferentes áreas ou linhas específicas da psicologia ou o direito de que profissionais que não trabalham com base na abordagem teórica psicanalítica sejam avaliados em prova especial cujo conteúdo lhes seja específico.

Com esta Moção, a Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental reafirma a defesa do direito a todos os profissionais brasileiros e, em especial a seus associados, o respeito à diversidade de pensamento e à liberdade intelectual no acesso aos quadros do funcionalismo público destinados ao profissional psicólogo.

Sem mais, e no aguardo de um posicionamento desta Fundação, colocamo-nos à disposição.