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Resposta ao texto “O problema do reforçamento positivo, ou bater palma para tudo”.

Thiago Queiroz é autor de um blog sobre “criação com apego, disciplina positiva, comunicação não-violenta e parentalidade consciente”. Seu último post, publicado em 25 de maio, tem como título: “O problema do reforçamento positivo, ou bater palma para tudo”. O texto tem a proposta de discutir os efeitos do “reforço positivo”. Para o autor, o reforço positivo ocorre quando o pai ou a mãe dão recompensas, estrelinhas, batem palmas ou comemoram artificialmente quando veem seu filho fazendo algo que eles, os pais, querem. Afirma ainda que “aquela linha do behaviorismo” considera que recompensar artificialmente, por si só, irá educar a criança e que, ao focar “no comportamento”, o profissional da abordagem desconsidera o que a criança sente e o papel da afetividade na relação entre pais e filhos. 

A noção de reforçamento positivo é apresentada no artigo de forma bastante equivocada, desinformando os leitores sobre um princípio importante da análise do comportamento (ou behaviorismo, como informa o texto). Um erro grave, em se tratando de um blog direcionado a orientar pais e cuidadores – o chamado público “leigo”. Grave porque, ao criticar a aplicação do reforçamento, o autor distorce os principais aspectos do conceito. Grave ainda porque a prática que o autor descreve não representa, de modo algum, o que os profissionais da Análise do Comportamento recomendam e aplicam efetivamente em suas intervenções. Vamos a alguns pontos do texto que merecem discussão:

Reforço positivo não é recompensa, estrelinha ou bater palma para tudo: Nossas ações são influenciadas pelos eventos que se seguem a elas (as consequências). Assim, quando a criança faz algo e tem como consequência um elogio, uma crítica, ou mesmo o silêncio dos pais, esta consequência pode influenciar o modo como a criança se comporta. O reforço positivo é um dos muitos tipos de consequência que um comportamento pode produzir e se dá quando o comportamento é seguido pela adição de uma consequência que, por sua vez, aumenta as chances daquele comportamento ocorrer novamente em uma situação semelhante. Um elogio pode, às vezes, funcionar como um reforço positivo, assim como o sucesso na realização de uma tarefa, a solução de um problema etc., mas nem sempre é assim. Vamos a um exemplo hipotético: Maria é uma criança que gosta de dançar em casa ou em brincadeiras em sala de aula. Em uma certa ocasião, num evento festivo na escola, ela se apresenta em público e ao final da apresentação recebe muitas palmas. Porém, depois desse dia, ela se recusa a se apresentar em público novamente. Nesse caso, podemos dizer que os aplausos funcionaram como um reforçador positivo? Certamente não, pois observamos que ele não funcionou para que Maria continuasse a se apresentar em público. Podemos imaginar que nesse exemplo, as palmas do público podem tê-la deixado constrangida, que ela tenha sentido vergonha, ou que aquela atenção toda recebida foi algo incômodo. Pode ser, inclusive, que sua recusa em dançar novamente não tenha nenhuma relação com os aplausos recebidos. Embora seja comum que a comemoração e a atenção do outro tenha um efeito reforçador, nesse caso, por alguma razão, este efeito não ocorreu. O exemplo é simplificado, mas serve para ilustrar que não se pode assumir que uma consequência é um reforço positivo olhando apenas para sua forma. Para classificar algo como reforçador, precisamos observar a sua função: como essa consequência está influenciando a maneira da criança agir. A maneira como ela se sente nessas situações é também um sinal importante a ser observado, porque em geral o indivíduo tem boas sensações e bons sentimentos em ocasiões em que ocorre reforçamento. Em resumo, e falando mais tecnicamente: nossa análise não está na topografia (forma), mas sim na interação entre o indivíduo e o ambiente, na função da resposta em sua relação com a consequência. Queiroz, ao assumir que o Behaviorista “bate palmas para tudo” e faz elogios artificiais, mostra que não conhece como os analistas do comportamento entendem o comportamento e conduzem sua prática. 

Comportamento não é só aquilo que observamos publicamente: Outro tópico em que o texto revela o desconhecimento do autor é como o behaviorismo define o próprio conceito de comportamento. Comportamento  não se resume ao que é observado; tudo aquilo que se passa “dentro da pele” é também comportamento – o que inclui sentimentos, pensamentos, fantasias, expectativas, desejos, etc. (que chamamos de eventos privados ou encobertos). As ações privadas, os sentimentos e pensamentos (dentre outros fenômenos subjetivos), são muito importantes para uma análise comportamental. Sentir, pensar, imaginar etc. também são ações que a criança faz em sua interação com o ambiente (físico e social). A diferença desse tipo de ação para outras tais como correr, dançar, jogar, falar é que as primeiras são privadas, ou seja, somente o próprio indivíduo as experiencia diretamente. Mas como toda ação, elas são influenciadas por suas consequências.

O behaviorismo não defende o uso indiscriminado do elogio ou recompensas: Em seu texto, Queiroz acusa que, ao aplicar o reforço positivo, o responsável estaria ignorando os “motivadores internos” do comportamento, e que o “reforço”, com as suas “recompensas” seriam apenas “motivadores externos”. Analistas do comportamento têm muita clareza sobre essa questão; quando a criança se comporta, sua ação produz consequências, independentemente da reação dos pais. Pois bem, chamamos de reforçadores intrínsecos os produtos diretos da ação – aqueles que fortalecem a resposta sem a intermediação de alguém – que o autor entende por “motivador interno”. Por exemplo, a criança ao tocar um instrumento ou ao cantar, o próprio som da música e as sensações produzidas são produtos diretos da sua ação, entendidos como reforçadores intrínsecos. Já as palmas e elogios dos ouvintes são produtos indiretos – arbitrários, extrínsecos – o que Queiroz entende por recompensas arbitrárias. É sabido – e demonstrado por pesquisas – há tempos, que é muito mais importante e efetiva a aprendizagem que se dá em contato direto com os reforçadores intrínsecos – naturalmente produzidos pelo comportamento. Assim, é muito melhor promover atividades educativas que envolvam reforço natural, pois estas experiências promoverão autonomia e prescindem de aprovação de outras pessoas – não há discordância dos analistas do comportamento com relação ao que Queiroz defende nesse tópico. O que é importante aqui é que mesmo sem a mediação de um outro que aplauda ou elogie, trata-se também de um processo de reforçamento positivo. O texto chama a atenção para um cuidado que todo analista do comportamento deve tomar, que o reforço arbitrário, quando necessário, deve ser utilizado de modo provisório, sob pena de levar a um comportamento dependente da aprovação ou “recompensa” e de restringir a diversidade do repertório da criança, entre outros efeitos. Além disso, a consequência arbitrária, como o adjetivo já indica, é definida pelo outro, e o que pode ser reforçador para os pais pode não funcionar para aquela criança. Esse é um fato essencial para um bom planejamento da intervenção: cada indivíduo é singular, cada história é única e cada um aprende em seu ritmo. Também concordamos com Queiroz quando este defende que as práticas de ensino sejam interessantes, atrativas e que sigam o ritmo da criança, para que ela aprenda em função do conhecimento produzido por ela mesma, e da ampliação de seu mundo que a aprendizagem escolar propicia. Se a incentivamos a tocar um instrumento, devemos esperar que ela o faça em função da melodia, da beleza da música, do prazer na arte. 

Punição não é uma prática defendida por analistas do comportamento: Talvez o equívoco mais grave do texto seja que ele fere um dos princípios éticos mais caros aos profissionais da abordagem, que é a recusa em utilizar procedimentos aversivos. Punição não é uma técnica defendida, tampouco utilizada por analistas do comportamento, por princípio! A prática de “reforçar” alguns comportamentos e “punir” outros, além de equivocada, é comprovadamente ineficaz, e nenhum behaviorista minimamente informado defenderia essa proposta. Em um exemplo do que não representa em nada a prática de um analista do comportamento, Queiroz sugere: “Imagine que o seu filho mais velho está batendo no irmão, e você quer acabar com isso imediatamente. Você pune o seu filho mais velho com um castigo bem severo e ele para de agredir o irmãozinho naquele momento. Para que o seu filho continue sem bater no irmão, você sempre dá recompensas a ele, como estrelinhas ou presentes, por cada dia que ele não bateu no irmão.” Ora, é claro que simplesmente colocar o mais velho de castigo após uma briga, “puni-lo severamente”, e lhe dar “estrelinhas” ou “presentes” quando ele não briga, não vai ensiná-lo a dialogar, nem a ser empático, nem a dividir as coisas. Punições severas e presentinhos, da forma como o autor coloca, só ensinariam o jovem a “manipular os pais”, brigando de vez em quando para em seguida se mostrar “bonzinho”, e ganhar seu presente. Num conflito, quando o irmão mais velho bate no mais novo, ele deve aprender a não bater porque isso machuca o outro, e a dialogar, porque isso produz entendimento e respeito mútuo. É preciso identificar os reforçadores intrínsecos em questão, que estão mantendo o comportamento dos filhos e encontrar outras formas de a criança poder obtê-los, sem precisar recorrer à violência. Os pais precisam conversar, dialogar, entender o conflito e mostrar como resolvê-lo harmonicamente.

Rótulos não educam. Analistas do comportamento também defendem o uso de elogios descritivos: Elogios descritivos são uma excelente ferramenta para a educação, porque descrevem o que a criança faz e sente e quais os efeitos que sua ação produz, propiciando que ela conheça as consequências diretas do seu comportamento. Em termos técnicos, é o que chamamos de fazer uma descrição das contingências, e quanto mais acurada for essa descrição, mais ela pode beneficiar o aprendiz. A descrição das contingências, feita num elogio descritivo é muito mais efetiva que a exaltação de características essencialistas e imutáveis (inteligente, esperto, sabido, etc.), que só rotulam a criança, sem ensinar qual foi o comportamento alvo. Os rótulos engessam o desempenho da criança, paralisam e impedem seu desenvolvimento, sejam eles positivos ou negativos. Se for elogiar, elogie o esforço, o tempo ocupado na tarefa, a evolução de uma tarefa para outra. Simplesmente rotular o resultado (genial!, por exemplo) é inefetivo. Ensinar a criança a reconhecer as consequências que seu comportamento produz contribui para desenvolver sua autonomia, seu senso crítico, sua autoestima e autovalorização. Como o autor disse “ver nos olhinhos dele a admiração que ele mesmo sente pelo desenho que ele fez”. De fato, isso não tem preço e, devemos ressaltar, isso certamente é produto de reforçamento positivo – INTRÍNSECO. Se a criança está mostrando algo que sabemos ser positivo para seu desenvolvimento, que o nosso sorriso seja sincero. Esse sim seria um reforçamento efetivo, sem afetações exageradas, sem “bater palmas para tudo”.

Por todas essas questões, entendemos que Queiroz defende práticas bastante saudáveis de educação, mas ao atribuir equivocadamente ao behaviorista aquelas que ele considera inadequadas, seu texto presta um desserviço à comunidade, pois pode prevenir que pais busquem ajuda de profissionais que seguem uma abordagem ética, consistente e pautada em significativas evidências científicas de sua efetividade.

Denise de Lima Oliveira Villas Boas é doutora em psicologia experimental: análise do comportamento pela PUC-SP, coordenadora do Núcleo Tríplice, em Fortaleza-CE, e professora da UNIFOR – Universidade de Fortaleza. Analista do Comportamento acreditada pela ABPMC – Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental.

José Umbelino Gonçalves Neto é psicólogo, analista do comportamento, mestre em Psicologia pela UFC – Universidade Federal do Ceará -, doutorando em Psicologia na UFSCar – Universidade Federal de São Carlos – e membro da Comissão de Comunicação da ABPMC. 

Denis Roberto Zamignani é doutor em psicologia clínica pela USP – Universidade de São Paulo e analista do comportamento acreditado pela ABPMC. É Presidente da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental e docente do Mestrado Profissional em Análise do Comportamento Aplicada do Paradigma Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento.

 

A nota acima se dirige ao texto do seguinte link:

http://paizinhovirgula.com/problema-reforco-positivo/