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EM RESPOSTA AO SR. RODRIGO CONSTANTINO, AUTOR DO ARTIGO “LEI DA PALMADA: FILHOTES DE SKINNER. OU UM RECADO A XUXA.”

No dia 22 de maio último, Rodrigo Constantino publicou em sua coluna um artigo denominado “Lei da palmada: filhotes de Skinner. Ou um recado a Xuxa.” Nele, entre outras afirmações, o autor afirma que a lei da palmada seria produto de “ uma mentalidade coletivista de seres infantilizados, que, com medo de assumir as responsabilidades da vida, preferem delegar a tarefa ao governo” e que o objetivo da lei “é mostrar ao povo como se deve educar as crianças. São “filhotes de Skinner”, os “educadores” sociais que vão impor, de cima para baixo, as regras da “boa” educação”. Este texto vem discutir especialmente a última afirmação, que atribui à Análise do Comportamento (teoria baseada nos pressupostos filosóficos e teóricos de B. F. Skinner), a prática de impor regras “de cima para baixo”.

O texto relata um episódio envolvendo a apresentadora Xuxa e o deputado petista Alessandro Molon e questiona a função da chamada “Lei da Palmada”, criada para proteger crianças contra agressões. O tema, de grande importância, instiga a continuidade à leitura. O autor “perde a mão” quando reproduz um texto, outrora escrito por ele mesmo, no qual criticava o, na época projeto de lei, das palmadas. Não me aterei às críticas feitas aos regimes políticos, e especificamente ao Estatuto de Criança e do Adolescente, reconhecido internacionalmente como uma lei exemplar. Porém, as afirmações do autor, quando se referem ao psicólogo B. F. Skinner (considerado um dos cientistas mais importantes do século XX), são completamente equivocadas.

Sou contra qualquer tipo de violência. Qualquer estudioso do comportamento, seja ele Analista de Comportamento ou não, será contra qualquer tipo de agressão – física, psicológica ou sexual, dirigida a crianças, homens, mulheres jovens, idosos, minorias, estrangeiros, e etc. Tal postura vem do conhecimento dos efeitos devastadores que estas agressões exercem no que, por exemplo, pode-se chamar de ciclo intergeracional de violência.

Voltemos então aos equívocos cometidos pelo autor contra Skinner. Ao referir-se aos criadores do projeto de lei como “os filhotes de Skinner” (…)os “educadores” sociais que vão impor, de cima para baixo, as regras da “boa” educação, o autor mostra absoluto desconhecimento da filosofia e da ética que embasam a proposta de psicologia de Skinner.É preciso, antes de mais nada, abrir um parênteses para registrar que cada estudioso da teoria de Skinner poderia responder a essa assertiva, no mínimo esdrúxula, sob o ponto de vista de sua área de pesquisa, já que a análise do comportamento é uma área com uma vasta produção de pesquisa nas mais diferentes esferas que envolvem o comportamento humano. E aqui cabe uma observação importante: tudo, ou quase tudo, que Skinner disse foi baseado em dados obtidos pelo método científico e não em ideologia ou política. Minha área de pesquisa é o comportamento antissocial e minha asserção, portanto, terá este viés, embora muitos sejam possíveis.

Uma das maiores preocupações de Skinner foi a compreensão e a descrição dos efeitos deletérios do controle aversivo/punitivo efetuado pelas agências sociais tais como o Governo, a Educação, a Religião a Economia (chamadas por ele de “Agências de Controle”); ele não criou este controle. Skinner detectava que o controle social por meio da punição era uma prática generalizada nas mais diferentes esferas: “O Governo é o uso do poder para punir”.
Em várias de suas obras Skinner descreveu de forma brilhante e didática os efeitos colaterais, e os problemas emocionais que se seguem à coerção utilizada para educar e controlar os cidadãos. Dentre estes efeitos estão a fuga, a revolta, a não conformidade, o medo, a ansiedade, a ira, a raiva, a depressão, e tantos outros problemas emocionais tão conhecidos por todos nós. Esta crítica aos métodos de controle utilizados ainda hoje está disponível para quem se dispuser a ler na obra “Ciência e Comportamento Humano”. Skinner se opunha à coerção, ou a qualquer tipo de imposição, pois conhecia seus efeitos. Especialmente quando se trata da educação, há dados suficientes de pesquisa que permitem afirmar que ela não é o método mais eficaz de educar, porque apenas suprime temporariamente um comportamento indesejado, e não promove aprendizagem alternativa.

Skinner apresentou alternativas ao controle aversivo, ou seja, alternativas à punição. Descreveu a psicoterapia como um tipo especial de prática cultural, criada para lidar com os efeitos prejudiciais decorrentes do controle punitivo. Não há espaço neste pequeno texto, mas ele deu diretrizes de como deveria ser esta Psicoterapia para que fosse eficaz ao lidar com os efeitos da punição.

Exímio conhecedor das relações comportamentais, ele descreveu os efeitos benéficos de relações interpessoais baseadas no reforço positivo e das suas vantagens sobre a punição. Toda a obra de Skinner oferece muitos dados e argumentos que defendem fortemente a adoção do reforço positivo na educação, algo que absolutamente se afasta e se opõe à questão da imposição e da punição. É possível, então, que alguém que conheça minimamente a obra deste autor possa ter intitulado o artigo ao qual respondo?

Em resumo, o autor do artigo “Lei da palmada: Filhotes de Skinner. Ou um recado a Xuxa”, provavelmente não leu Skinner. Uma pena.

Giovana Munhoz da Rocha é Analista de Comportamento, Doutora em Psicologia Clínica pela USP, Psicóloga Clínica e Forense, Professora Adjunta do Mestrado em Psicologia Forense da Universidade Tuiuti do Paraná, Professora Adjunta da FEPAR, Membro da Diretoria Gestão 2012 da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental.