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Autismo no Fantástico

Carta Aberta ao Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública, em resposta ao Artigo Autismo no Fantástico: um desserviço à população

Como membros da comunidade da principal associação de Análise do Comportamento no Brasil, a ABPMC (Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental) e, fundadoras do Grupo Gradual – Grupo de Intervenção Comportamental, especializado no tratamento de indivíduos com desenvolvimento atípico, consideramos apropriado um posicionamento público sobre a série de reportagens do programa Fantástico, da Rede Globo, intitulado “Autismo: Universo Particular”.

Refletimos que o programa não tenha sido exatamente um desserviço para a população, em geral, já que considerando o tempo de veiculação total pode-se ressaltar que foi possível uma abordagem geral e rápida sobre tema do Autismo, que é complexo essencialmente falando, pois abrange uma ampla gama de comportamentos e de relações de cada criança, em questão, com o mundo que são multi-determinados, levando em conta causas epigenéticas, ontogenéticas e culturais. Porém, em uma abordagem rápida e geral, parece que se optou por passar para a população as principais características da síndrome, as possibilidades de inserção de diferentes casos dentro do espectro do Autismo, as principais dificuldades da população ao procurar tratamento na saúde pública, ao realizar a tentativa do processo de inclusão nas escolas e, também, em apontar o tratamento comportamental como referência de tratamento baseado em evidência.

Ao mesmo tempo nos solidarizamos com o MPASP e com todo profissional, que de forma séria e embasada cientificamente vem trabalhando e conseguindo resultados. Também alguns pontos trazidos na reportagem, sobre a própria visão da Intervenção Comportamental oferecida, deixam a desejar e podem confundir o público sobre seu alcance e fundamentação teórica. Isso pode ter ocorrido, pois parece não terem sido consultados os especialistas que representam essa abordagem.

Do nosso ponto-de-vista muito poderia ser detalhado sobre particularidades de um tratamento de intervenção com base analítico-comportamental para o transtorno do espectro do autismo, como por exemplo, a noção básica de que o tratamento é essencialmente individualizado, que além de ser intensivo (em número de horas semanais) precisa ser compreensivo em termos de abranger, de forma multidisciplinar com áreas afins da psicologia, várias áreas de desenvolvimento da criança (exemplos: comportamento verbal, brincar, atividades de vida diária, socialização e possíveis adaptações curriculares) para ser realmente efetivo.

Com certeza esses detalhes de procedimentos analítico-comportamentais poderiam ser abordados minuciosamente a partir de uma consulta com Analistas do Comportamento que atendem diretamente essa população e, também, desenvolvem trabalhos de pesquisa constantemente, com coleta de dados, focados tanto na pesquisa básica quanto aplicada, sustentando uma prestação de serviço analítico-comportamental baseado em evidência (Volkmar, F. R., Lord, C., Bailey, A., Schultz, R. T., Klin, A., 2004; Pheula, G. F, & Isolan, L. R, 2007; Virués-Ortega, 2010). Porém, vale refletir, mais uma vez, que parece que se optou por fornecer informações genéricas sobre o tratamento comportamental, que não é a forma mais detalhada e cuidadosa de fornecer essas informações, mas que, em nossa reflexão propiciou uma possibilidade de conhecimento geral sobre o espectro do autismo e um dos tratamentos indicados.

Quanto ao julgamento e seleção de que qual(is) prática(s) de tratamento e/ou intervenções pode(m) ser mais eficiente(s) opinamos que, além dos debates e submissões de trabalhos e resultados de tratamento e pesquisa em fóruns especializados do tema, que os pais de criança com desenvolvimento atípico, nos referindo mais especificamente ao espectro do autismo, possam tecer suas considerações acerca desse assunto e mobilizarem-se tanto para a criação e aprovação de leis que incluam, de fato, esses indivíduos na vida escolar e profissional e participem das decisões e discussões sobre qual(is) tratamento(s) deve(m) ser disponibilizado(s) na rede pública e o quais as vantagens em adotar um tratamento baseado em evidência ao longo da vida de um indivíduo do espectro do autismo.

Os Analistas do Comportamento, representados por nós em nome da ABPMC, também estão à disposição para debater seus dados e esclarecer ainda interpretações errôneas sobre sua posição teórica e prática.

Grupo Gradual
Cintia Guilhardi, Claudia Romano e Leila Bagailo

 

Referências Bibiográficas

 

Pheula, G. F.; Isolan, L.R. Psicoterapia baseada em evidências em crianças e adolescentes. Revista Psiquiatria Clínica, 34 (2); 74-83, 2007.

 

Virués-Ortega, J. Applied Behavior Analytic Intervention for Autism in Early Childhood: Meta-analysis, Metaregressionand Dose–response Meta-analysis of Multiple Outcomes. Clinical Psychology Review. 2010.

 

Volkmar, F. R.; Lord, C.; Bailey, A.; Schultz, R. T.; Klin, A. Autism Pervasive Developmental Disorders.Journal of Child Psychology and Psychiatry. 45,  135-170, 2004.